"Todos podem criar imagens bonitas", diz a ilustradora alemã Stefanie Harjes

Stefanie Harjes é umas das principais ilustradoras alemãs da atualidade. Suas ilustrações resgatam o que há de criança nos adultos, e respeitam o que há de maduro em cada criança. Apenas um de seus livros foi editado no Brasil, Meu Kafka (Cosac Naify, 2013), onde compartilha sua relação pessoal e artística com o criador de A Metamorfose. Mas o valor do seu trabalho vai muito além do produto final: é muito mais uma intenção de inaugurar um jeito de olhar o mundo e se relacionar com o infantil que está nas coisas e nas pessoas.
No Brasil para uma série de atividades em parceria com o Goethe Institute, Stefanie passou também pela Bienal Internacional do Livro. Longe do burburinho apressado da feira, presenteou um grupo de pouco mais de 10 pessoas nesta quarta-feira, n’a Casa Tombada. Com generosidade de criança, compartilhou seu processo criativo desde a ideia até a publicação. Falamos sobre poesia, pintura, política e, principalmente, sobre observação. A importância de olhar.

Feito a autora, seus desenhos são bicho solto, não seguem técnicas nem padrões formais de proporção e realismo. Ao contrário, têm forte influência do “automatismo psíquico”, o fluxo de consciência inventado pelo surrealista André Breton para deixar fluir desejos criativos, sem preocupação com estética ou rigor. Essa postura é um norte não só para as ilustrações, mas também para o modo de ser da artista, que parece gostar mais de contar sobre seu gosto por natação e flauta doce do que sobre seu trabalho.
Na linguagem, Stefanie diz beber de fontes diversas, como Pablo Neruda e Paul Klee. Colagem, pintura, traço à mão, experimentos com café, frutas, sucatas, desejos orgânicos, objetos improváveis: tudo vale para dizer o que quer dizer. Por isso, sua obra final é sempre fruto do que ela chama de “jogo do acaso”, em que uma coisa nunca é igual à outra. “Não existe certo ou errado, mas, sim, pelo menos 10 formas de certo”, brinca. “Todo mundo é capaz de criar imagens bonitas, a beleza é o que a gente vê”, complementa.
Ela conta que, no atelier onde trabalha, em Hamburgo, sua mesa é totalmente coberta por papel, onde vai testando cores, rabiscando ideias, desenhando enquanto fala ao telefone. O ambiente onde vive é frequentemente tomado pelo acúmulo das coisas que vê e guarda. “Venho de uma família que passou pela guerra, então criei o vício de guardar as coisas para que, se vier a faltar de novo, eu tenha”, explica. “Quando minha avó morreu, encontramos mais de cem sapatos, 50 guarda-chuvas e mais de 30 ferros de passar. Eu não passo roupa, então decidi que queria fazer algo bonito com aquilo”.



Arte que ensina a olhar
Para explicar o que faz, Stefanie usa uma citação de Joan Pratis: “A arte nos ensina a não tropeçar como cegos pelo mundo”. São as particularidades das coisas não vistas que mantêm o seu espírito criativo aceso. Por isso, suas composições nascem de um comportamento tipicamente infantil diante do mundo: recolher detalhes aparentemente insignificantes do cotidiano. “As imagens já estão aí, nós só temos que aprender a vê-las”.
Por onde passa, repara em texturas, cores, formatos, cheiros. Entende que o mundo natural e físico comunica arte, e incorpora esses elementos na criação. Dos papeis de embalagem, bilhetes, tickets, recorta o que pode querer usar nas ilustrações. “Faço tudo com a mão e estou ficando boa em recortar coisas muito pequenas. Às vezes, fico horas procurando um pedacinho e descubro que está grudado embaixo do meu sapato”.
Em um poema que escreveu em homenagem a Jacques Prévert, ela resume seu modo de criar: “Sua cabeça fala mas / é o coração que tudo sabe / ouça mais e mais /o que seu coração tem a dizer / continue até toda a poesia estar ilustrada”.
Stefanie Harjes Ilustrou mais de 30 livros, e há mais de 20 trabalha como artista do livro em seu atelier, “Sobrevento”. Dá palestras e oficinas para crianças, onde defende o livre criar, e ilustra para editoras e revistas na Alemanha, além de apresentar suas criações em exposições individuais em todo o mundo. Dentre os inúmeros prêmios que recebeu, em 2009, foi a primeira mulher a ganhar o Prêmio de Ensino de Hamburgo (Hamburger Lehrpreis).
Mas, à parte isso, ela escolhe suas próprias importâncias. No final do encontro n' A Casa Tombada, Stefanie entregou a cada um dos presentes alguns papéis com uma espécie de biografia íntima, informações sobre si escolhidas a dedo, como o fato de que nasceu três anos antes de sua irmã, Annette, ou que começou a falar com sete meses de idade. E que, simplesmente porque se diverte fazendo, continua desenhando.