Angela-Lago e Lázaro Ramos: por uma literatura sem funções didatizantes #flipinha2016

“Como a menina Angela olhava o mundo?”, essa foi uma das primeiras perguntas que a mediadora da mesa “Caderno de segredos”, Verônica Lessa, fez para a Angela-Lago na última quinta-feira, na Flipinha. E a resposta foi maior (literal e poeticamente) do que todos poderiam esperar:
“Não era permitido ficar à toa lá em casa. Então, eu me deitava na rede, abria um livro, e ficava horas lá com ele, fingindo que estava fazendo alguma coisa. Até que em algum momento eu cansei de ficar vagando e comecei a ler uma palavra, depois outra, e outra... foi assim que começou. O livro era o lugar onde valia a pena entrar.”
E aquela frase ressoou: “O livro era o lugar onde valia a pena entrar”. A plateia aplaudiu como quem descobre um segredo com ares de verdade universal e, se a mesa terminasse ali, já teria sua razão de existir. Mas ainda havia muito para acontecer ali.
Lázaro Ramos era o convidado ao seu lado, e contou sobre seus livros coisas que quase ninguém imagina quando pensamos em sua trajetória como ator. “Eu acho que comecei a escrever porque tinha uma casa com quintal. Foi ali que eu comecei a observar o mundo. Hoje, as histórias que eu escrevo sempre surgem de um tema muito bem definido sobre o qual eu preciso falar naquele momento, quase sempre são causas sociais”, contou. Seu primeiro livro, “A velha sentada” (editora Uirapuru, 2010), discute indiretamente a relação da criança com a tecnologia, a partir da história da menina Edith, que não faz nada o dia inteiro e só tem olhos para o computador. “Uma criança é uma pessoa que tem um quintal na cabeça”, complementa o a(u)tor, defendendo o valor da imaginação e de reparar nas coisas miúdas.

Quando perguntaram à Angela sobre o tão falado “papel” do livro para a infância, se a literatura infantil deve ter uma função didatizante e educativa, ela respondeu como quem faz um manifesto pela cidadania. "Antes de falar nisso, gosto de pensar que somos cidadãos, e que todo cidadão ensina. Todo livro abre portas, mesmo que seja só a do encantamento estético. E esse encantamento é uma janelona para o mundo. Saio de um livro, se não maior, ao menos mais maravilhada”, e complementa ressaltando a ação de um livro no sentido de incentivar a empatia e a representatividade de si mesmo e do outro. “O livro é o que me possibilita encontrar com o outro tão diferente de mim, e me relacionar profundamente com ele. O livro é o outro que eu não sou".
“O livro é o outro que eu não sou”. É preciso repetir para internalizar tudo o que pode ser essa afirmação. Mais uma frase de Angela-Lago que ressoa pelo auditório, lotado de crianças (em sua maioria do ensino público de Paraty) e professores de todos os cantos do país. Muitos aplausos, assovios entusiasmados. Uma mulher levanta a mão, quer fazer um comentário. “Eu vim de Salvador, viajei dois dias para chegar aqui, e agora posso dizer a vocês que valeu cada quilômetro”. Dessa vez, o tempo do encontro tinha mesmo acabado. Já os valores de vida segredados ali, esses continuam. Por tempo infinitivo. Crédito das fotos: André Conti