Trocando em miúdos: Isadora Ferraz
– Você é menino ou menina?
– O que vocês acham que eu sou?
– Menino!
– Por quê?
– Por causa da roupa e do cabelo curto.
– Será?
– Não! É menina, por causa do tênis...
– Mas meninos não usam tênis também?
– É menina, por causa da blusinha com flores.
– É menino, por causa da blusa em v.
– Será que faz muita diferença se sou menino ou menina? A cena aí de cima aconteceu com uma artista visual e um grupo de pequenos. Importa pouco aqui saber quem era criança e quem não era. O que interessa é que os rótulos deixam de ter um papel quando a ideia é ficar sendo enquanto se descobre. Menino, menina, livro, arte, artesão, artista: tudo é processo. Tudo habita o mesmo lugar de criação e tem a única função de existir como é. Com o desejo de misturar todo esse pensamento num lugar só, Isadora faz minilivros que são universos inteiros, enormes. Livros que são também objetos de arte, de brincar. Livros tão pequenos que talvez você tenha que procurá-los com lupa.

Quando você encontrar, talvez tudo cresça - a palavra, o desenho, a criança. Cabe muita coisa encolhida dentro desses pequenos objetos. Sorte de quem for do tamanho de tudo isso.
Sem se importar se o que faz é para a criança que mora no adulto ou a criança que mora na imaginação, ela faz projetos que colocam o fazer do livro no meio do caminho entre o trabalho do artesão e do artista. São projetos feitos totalmente à mão, e trabalham com a materialidade do objeto como possibilidade de estender a narrativa. Em outras palavras, livros que abrem para cima, para o lado, em formato sanfonado, com dobras e amarrações que dizem muito.
Sua primeira criação, intitulada Micro Projeto de Afetos, nasceu dentro de uma caixinha de fósforos.

No último mês de maio, ela lançou em seu Atelier Feito em Casa, a página que administra no Facebook, o seu primeiro livro infantil, Outono/maio - mão de nuvem.


E enquanto você lê esse texto, ela prepara para breve o próximo livro, Dicionário para dias chuvosos, inspirado em Julio Cortazar.
Enquanto isso, uma espiadinha para ver de onde nascem caraminholas tão pequenas, mas tão grandes. O "Trocando em miúdos" de hoje bate um papo com o eu lírico miúdo da ilustradora e escritora paulistana Isadora Ferraz.
Por que às vezes o desenho tem um tamanho e o texto tem outro?
O texto e o desenho gostam de conversar. Às vezes o desenho tem mais o que dizer e o texto menos, mas um complementa o outro, deve ser por isso.
Pra que serve uma cor? E a imaginação?
A cor é que nem coração pulsando.
A imaginação faz levar longe e às vezes “longe” pode ser bem pertinho.
Você já trombou com uma história no meio da rua?
Já. Outro dia vi a Nossa Senhora sendo carregada em um carro de bombeiro, poderia virar uma história, mas algumas não viram.
Uma história nasce na barriga ou na cabeça?
Nasce pelo corpo inteiro, sem dúvida alguma!
Dos mundos que não existem, qual é o seu favorito?
Aqueles que nascem das minhas gavetas, particularmente aqueles que ficam guardados na minha caixa de costura, lá é um mundo de surpresas!


Como consertar uma história que não funciona?
É só olhar ela por outro ângulo.
É mais fácil ganhar de um monstro ou de um medo?
Os dois são a mesma coisa. O monstro é a forma que você dá para o medo.
Qual a diferença entre as palavras fáceis e as difíceis?
A diferença está na forma como usamos elas.
Por que os adultos às vezes querem esconder algumas na estante mais alta?
Para esquecer um pouquinho...
Se os livros tivessem perna, pra onde eles iriam?
Iriam pra pertinho da gente, livro não gosta de ficar sozinho, não, é carente!

Isadora Ferraz (1987) é artista visual e arte educadora, graduada em Artes Visuais pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Participou da exposição coletiva VERSO, curadoria de Edith Derdyk (SESC Pinheiros, 2013) e realizou sua primeira exposição individual, intitulada Desobjeto, dentro do projeto "espaço arte mídia" (SESC Campinas, 2012). Participou de cursos e frequentou ateliês de artistas, dentre eles Antonio Albuquerque, Alex Cerveny, Dudi Maia Rosa, Edith Derdyk, Fernando Vilela, Janaina Tokitaka, Helena Freddi, Paulo Penna, Odillon Moraes e Ulysses de Paula. Frequentadora do espaço independente Atelier Piratininga como residente artística e criadora do Atelier Feito em Casa, entende que o artista visual dialoga com as tantas linguagens que circundam o fazer, e com isto segue criando trabalhos que mesclam o trabalho do artesão e o do artista visual, e que possibilitam ali uma conversa com a educação e com a ideia de autogestão.