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"Quantas vezes o real não nos parece fantástico?" As ilustrações de Rebeca Luciani




Mistos de realismo mágico com fantasia de criança, os desenhos da ilustradora argentina Rebeca Luciani são como lugares que o leitor tem a sorte de ir conhecendo. Lugares com nomes curiosos, como "Animais que fazem coisas em silêncio", "O baile da tarântula", "Breve história de um breve amor". Lugares que são também imagens, criadas de dentro para fora para embrulhar histórias que não são suas, mas que passam a pertencer-lhe assim que conhecem suas cores e texturas. Um conceito tão dela que ganhou até nome "psicologia do personagem".


Premiada pelo mundo afora e publicada em países tão opostos quanto Emirados Árabes, França e Itália, ela tem no Brasil a sua segunda casa, "um universo à parte", como ela diz. Por aqui, ela tem três livros publicados - o mais recente chegou pela Edições SM este ano, "No Parque", de Iuri Pereira, “Cachtánka”, de 2013, uma adaptação do conto de Tchekóv traduzido pela Tatiana Belinky, "Se essa rua fosse minha", de Eduardo Amos, e "Diáfana", de Celso Sisto, publicado pela Scipione em 2011.


Aproveitando que a Rebeca vem para São Paulo em abril para o Laboratório de Ilustração do Ideário*, e que logo logo chega um novo livro com as ilustrações dela no Brasil - "O fantástico arroz de Filomena", escrito pelo mineiro Maurilo Andreas, está previsto para sair ainda este ano, pela editora Aletria -, fui garimpar dentro de suas caraminholas de artista para saber o que ela pensa sobre a relação palavra e imagem, sobre tudo o que brilha entre uma coisa e outra.


Você começou a desenhar com 4 anos, mas como chegou ao livro infantil?

Eu desenhava muito - como todas as crianças, suponho. Minha primeira lembrança de estar desenhando é aos quatro anos, quando meus pais haviam comprado umas canetinhas e eu passava horas desenhando com elas na janela que dava para o pátio. Depois disso, foram papéis pequeninos, grandões, cadernos. Eu nunca deixei de fazer o que eu mais gosto nesse mundo que é desenhar. Ainda não sabia que existia um ofício, o de ilustrador, meu sonho era ser pintora. Toda minha formação sempre foi no caminho das Belas Artes, pois para ser pintora eu supunha que devia me formar. Aos 23 anos, em uma crise artística, de repente não podia pintar mais, tive um bloqueio. O que eu ia fazer da minha vida se já não pintava? O golpe foi bem forte. Um dia, saí para caminhar pela cidade, entrei em uma livraria, e botei os olhos nos livros ilustrados infantis. Decidi ali que me dedicaria a isso. Isso aconteceu há 17 anos.



É mais difícil pra você se comunicar com o adulto ou com a criança? E por quê?

Pra mim, o importante é poder me conectar com o outro. E quero dizer comunicar-se bem com o outro. Esse fenômeno pode ser tão fácil com um adulto quanto com uma criança.



Na suas ilustrações, você se preocupa em tentar dizer coisas que o texto não conseguiu? Quer dizer, existe algo que só o desenho pode alcançar?

Penso que o livro ilustrado é o casamento do texto com as imagens. Existe um diálogo entre ambos, e esse diálogo não tem por que ser um monólogo. Acho que o bom de ser um autor (pois já está na hora de entendermos que nos livros infantis o ilustrador também é autor) é ter uma voz própria. De um lado, tem a voz do escritor, e a ela se soma a voz do ilustrador. Acho que a imagem propõe uma leitura que não precisa ser literal. A escrita e a imagem criam um dialogo e nesse diálogo é que se vai conhecendo o livro.



Nos países onde você atua, Argentina e Espanha, existe uma tensão entre a importância do texto e a importância da imagem? Há espaço para um trabalho autoral, experimental?

Acho que no mundo todo, há vários anos, o livro ilustrado vem encontrando um lugar onde todos estamos crescendo - escritores, ilustradores, editores, leitores, educadores. E vamos entendendo que se trata de um trabalho em equipe. Estamos cada vez mais abertos para criar livros que venham para surpreender.



Pra você, qual o papel de uma ilustração em um livro infantil ilustrado?

Pra mim, o papel de uma ilustração em um livro infantil é fundamental. As crianças têm uma relação mais direta com a imagem do que com a palavra escrita. Elas primeiro desenham, esses são seus primeiros signos. Logo aprendem a ler, e então a escrever. A imagem aproxima de uma forma direta a palavra escrita. No diálogo entre texto e desenho, a narrativa que acontece é essencial para criar um bom livro ilustrado.



Quando está ilustrando um livro, você pensa na criança que vai acessar aquela imagem? Quer dizer, você tem uma espécie de "leitor imaginário"?

Sinceramente, não. Quando ilustro um livro, me deixo levar por minha própria criança, a criança que sou eu mesma. Não posso desenhar pensando nos outros, nem no editor, nem em nada. Só me deixo levar por essa intuição interna de que isso que acabo de ler me pede uma imagem que possa acompanhar a história.



Pode explicar o que é "psicologia do personagem"? Gostaria que falasse um pouco sobre esse conceito em relação ao seu desenho "Animales que hacen cosas en silencio", por exemplo.

Quando falo da "psicologia dos personagens", me refiro a algo muito pontual que surgiu do que considero uma deficiência na hora de desenhar. Parto de uma experiência pessoal ao observar os meus trabalhos, e isso também tenho notado no trabalho de outras pessoas. Basicamente, trata-se de pensar "afinal, de onde desenhamos? Desenho de dentro, ou desenho de fora?" Muitas vezes, observava meus personagens e via que estava tão preocupada em "fazê-los bem" que eles não passavam de um desenho bonito, mas que não transmitiam nada. Aí entendi que isso era desenhar de fora: uma obsessão absoluta pelo formal, sem se preocupar em conectar-se verdadeiramente com quem é esse personagem, o que acontece com ele, o que sente. Quando descobri isso, encarei os personagens de um lugar mais curioso, peço que me contem quem são para que eu possa contar aos outros. Depois disso, é interessante ver como voltamos ao papel em branco, nem sempre propondo ou impondo. "Animales que hacen cosas en silencio" é um livro escrito por Lolita Bosch e editado por Kalandraka. É um dos livros com os quais sinto que mais cresci até hoje. Ele me fez escutar como nunca antes os silêncios.


Entre a observação da realidade e a entrega à imaginação, a ideia de um desenho se transforma? Você se preocupa com os limites entre o real e a ficção?

Os limites estão só na nossa cabeça. Quantas vezes o real não nos parece fantástico? E vice-versa.


Você ilustra as palavras de outras pessoas. Já escreveu um texto para crianças? Pensa em um dia ilustrar um texto seu?

Tenho muitas coisas escritas por mim, e só quatro bons textos. A verdade é que eu nunca me dou tempo para ilustrá-los, justamente por estar sempre a cargo de textos dos outros. É algo pendente, vamos ver se me encorajo.



Hoje, o que mais te inspira na hora de criar um desenho?

Cada vez mais me interessam os espaços, inclusive hoje em dia me seduzem mais os espaços que os personagens. Um espaço pode contar tudo, inclusive, pode contar coisas do personagem sem necessidade de trazê-lo à cena. Um espaço pode nos contar tudo. Por isso, hoje estou mais atenta do que nunca, observando cada árvore, cada parque, cada montanha como se fosse a primeira vez que os visse.



Há previsão de próximas publicações no Brasil?

Sim, estou trabalhando agora mesmo em um livro que sairá pela Aletria, "O fantástico Arroz de Filomena". O autor é de Belo Horizonte e se chama Maurilo Andreas. Fala do amor e da aceitação do diferente. É um livro bem grande, tem bastante texto, é um total de 20 ilustrações a toda cor. Está sendo trabalhoso mas estou muito, muito, contente com o livro que estamos criando. Tomara que junto com esse, venham novos projetos.


Esta é a quinta vez que você realiza esse laboratório aqui em São Paulo. Qual sua relação com o Brasil?

Sinto que cada dia mais me cabe o clichê "cidadã do mundo". Faz anos que vivo em movimento, principalmente entre La Plata, minha cidade natal, e Barcelona, minha cidade de adoção. O Brasil, pra mim, é como o "namorado que te fascina". Amo esse país, minha música favorita é a música brasileira, minhas comidas preferidas também. Aí tenho amigos, família de amigos, pessoas muito queridas. A cada vez que vou para o Brasil, sinto mais como se fosse minha casa. Adoro o idioma e este ano decidi deixar de falar portunhol e comecei a fazer aula de português. A verdade é que o Brasil me parece todo um universo à parte: suas cores, seus cheiros, seus sons. É um lugar cheio de magia, caos e força; um lugar que sempre consegue me contagiar e me encher de sensações novas.




Mais sobre esse mundo fantástico a toda cor, você encontra no site da artista: www.rebecaluciani.es



*Rebeca Luciani vai ministrar duas oficinas em São Paulo, entre os dias 4 e 8 de abril, no Ideário, em Pinheiros. A primeira é "Cor & Ilustração", e a segunda "Emoções, personagens e ambientes". O sobre cor será no período da tarde, e o de personagens, à noite.

Inscrições, conteúdo dos encontros, valores e etcéteras devem ser enviadas para Larissa Ribeiro pelo e-mail labilus@gmail.com


Aqui vai um servicinho completo pra ninguém se perder por aí. Ilustradores, fiquem espertos, as inscrições vão até 18 de março (sexta-feira).

Laboratório de Ilustração

com Rebeca Luciani

Onde: Idéario - Rua Prof. Rubião Meira, 59, Pinheiros, São Paulo-SP

Quando: de 4 a 8 de abril de 2016

Inscrições: até 18.03

#ilustração #livroilustrado #argentina #espanha

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